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Crônica: Gravata com G

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O que o Gilson me pediu que trouxesse de Nova York era realmente uma coisa à toa: uma gravata.

Só que não se tratava de uma gravata qualquer: era um modelo com uma letrinha bordada. No caso um G, é lógico. Tinha visto um anúncio na revista Playboy, e como eu caí na asneira de contar para ele que ia a Nova York, me passou o recorte: podia ser de qualquer cor, contando que tivesse a inicial dele. Era um voo especial, íamos ficar só de sábado a terça-feira.

Sábado não deu tempo de pensar em gravata nem em coisa nenhuma, chegamos muito cansados. No domingo, passeando pelo centro da cidade, bem que eu vi a tal gravata em mais de uma vitrine, aqui e ali, em diversas cores, e com letras, o alfabeto inteiro, era coisa barata, apenas um dólar. Só que domingo o comércio estava fechado.

Na segunda-feira houve um almoço que se prolongou pela tarde inteira. Depois um coquetel que entrou pela noite. Quando dei por mim já era terça de manhã, eu numa ressaca dos diabos, hora do embarque, o ônibus à espera na porta do hotel para nos levar ao aeroporto. Só então me lembrei: a gravata!

O ônibus não podia esperar. Eu disse para o pessoal: vocês vão indo que eu vou de táxi. E saí à procura de uma loja ali por perto do próprio hotel, onde tinha visto a gravata.

Não encontrei. Estiquei a caminhada pela rua abaixo, um, dois, três quarteirões, e nada. Voltei ao hotel, meio aflito, apanhei a mala, tomei um táxi, mandei que tocasse para a Broadway. Ali, não tinha dúvida, vira o raio da gravata em várias lojas.

A cada uma que passava eu dizia ao motorista que parasse e olhava da janela mesmo: havia tudo quanto era tipo de gravata nas vitrines, menos a que eu procurava.

A certa altura tive a impressão de que naquela loja havia uma, resolvi conferir. O motorista se recusou a esperar, era proibido estacionar ali. Prometi pagar a corrida em dobro, e saltei correndo. Não fosse eu perder o avião por causa daquela maldita gravata.

Encontrei. Logo na entrada da loja, e com várias letras, inclusive G. De diversas cores, à minha escolha. Mas o vendedor me atendia com insuportável lentidão, eu não podia mais de ansiedade, estava em cima da hora. Quando vi que a menor nota que eu tinha era de dez dólares, para não esperar o troco agarrei dez gravatas de várias cores com a letra G e saí correndo com a sacola de papel.

Na rua parei estatelado: o taxi havia sumido.

Mais essa agora – com minha mala e tudo! Eu ia perder o avião.

Fui andando desorientado até a esquina, minha esperança renasceu: lá estava ele, à minha espera na outra rua. Depressa, para o aeroporto! E respirei, aliviado: o Gilson ia ter gravata com letra G para usar o resto da vida.

Quando cheguei ao aeroporto, foi o tempo de pagar o táxi (em dobro), e sair esbaforido com a mala sem pensar em carregador. Entrei no avião sob o olhar de censura de todos, já sentadinhos, de cinto colocado, prontos para levantar voo.

– Pelo menos espero que você tenha encontrado a tal gravata – comentou o que estava a meu lado.

– Encontrei – respondi, triunfante.

Depois de me ajeitar na poltrona, procurei a sacola das gravatas para mostrá-las.  Haviam ficado no táxi.

Crônica de Fernando Sabino.